domingo, abril 16, 2006

O ASSASSINATO DO BIBLIOTECÁRIO DE JOELMA

I

Havia um corpo entrevado caído ao chão, estranhamente contorcido. Aos que passavam causava espanto a expressão sofrida do cadáver. Os músculos da face, todos repuxados, conservavam o momento de maior dor que fez aquele homem sucumbir. – Que horror!, diziam os passantes que pouco a pouco tornavam-se uma pequena multidão rumorosa a especular sobre o intrigante morto naquela manhã brumosa de vento frio que incomodava um troglodita de regata que obliquamente olhava a cena enquanto atravessava o terreno baldio que servia de atalho aos cidadãos de Joelma – pacata cidadesca interiorana dum país insólito – ligando um bairro a outro. A polícia isolava o local e uma concisa equipe de jornalismo chegava para cobrir o acontecimento. O repórter, homem todo amalucado, dono de uma gesticulação estapafúrdia era um tipo psicótico, um figurão da tv, tinha uma barba não delineada, um cabelo de ondulações toscas, não penteado, que incrivelmente se harmonizavam num rosto de narinas esgarçadas, numa cabeça que mais parecia uma pichorra num corpo delgado e que lhe conferia aspecto imponente aos telespectadores, realmente tinha algo de hipnotizador. Tendo como seu fundo a cena do crime começa a gravar seu material para o jornal, seu câmera é meio vacilante, um amador caído de pára-quedas no jornalismo, segue o instinto nas filmagens, por vezes desviando o foco, atitude que irrita profundamente o nosso figurão. Em torno do corpo estava o delegado superintendente, dono da polícia da cidade; seu investigador, um cara sisudo de olhar cortante e sempre pronto a usar de violência contra os civis inocentes, suspeitos ou culpados; e mais o escrivão da polícia que também era fotógrafo criminal por quebra-galho. O delegado irritadiço dizia energicamente: - rapazes, esse homem aqui não morreu em vão, morreu por nós, é uma espécie de redentor, vai regenerar a polícia – o investigador quis interromper a fala do seu chefe, porque não entendia onde ele queria chegar, mas sem ânimo deixou que continuasse sua fantabulosa versão sobre o caso. – ...rapazes, vocês não enxergam, mas quê vergonhosa situação nos encontramos, a corporação está difamada, aquela denúncia de que espancávamos deliberadamente e gratuitamente os travestis de rua manchou nossa imagem... – mas isso está errado, interrompeu o escrivão Dirceu, nessa campanha da imprensa parece que somos preconceituosos, não batíamos só nos travesti de rua, mas nos de família também. O delegado retoma: - abusamos sim, mas é tudo culpa do repórter Memo, ainda vou matar aquele patife! E sem eles perceberem o cinegrafista e o jornalista já estavam bem atrás deles gravando a conversa dos policiais: - como é que é, vai me matar memo?! Eu sou o repórter Memo, repórter Memo... repetia para câmera enquanto o investigador afastava aos safanões os dois penetras para fora do perímetro policial. A câmera só parou de registrar as imagens quando um tapa a levou ao chão, mas ainda pode captar a ameaça que o investigador fez: - sua ousadia, repórter Memo, vai lhe custar... Altissonante o delegado ordena que recolham as testemunhas, as pessoas que por ali espiavam dispersam-se, mas ainda se consegue apanhar uns três gaiatos que são conduzidos à delegacia debaixo de bordoadas. A sós com o defunto o investigador fuça nos bolsos da calça e do casaco nos quais encontra um molho de chave, um crachá, uma carteira aveludada donde havia alguns cartões e uma maçã argentina não violada por qualquer arcada dentária...

6 comentários:

Abilio disse...

gostei dessa cena em que, aliás, comparece o inolvidável Reporter Memo, grande personagem da ficção hidrantina.
Corla, ainda gosto mais do seu microtexto que do macro. Quero dizer que continuo afirmando que você tem sacadas excelentes, mas, às vezes, falta organicidade ao texto. Minha sugestão para você é que tente escrever com mais frieza, com mais cálculo e menos ímpeto. Aproveite as engraçadas imagens da sua poderosa imaginação, mas procure lapidar melhor os seus diamantes, se você me entende.
Grande abraço!

Anônimo disse...

gostei muito do conto, mas mal posso esperar pelo filme! Quando faremos?
hahahahahha

Anônimo disse...

Cara... tá legal, mas diz aê!! é o começo de uma historia? hehehe

sou fã do Memo!

Guilherme C. Grünewald disse...

interessante... aguardo a continuação!

Anônimo disse...

A descrição do Repórter Memo, esta pessoa(pois me recusaria chamá-lo de personagem depois da exatidão com que foi escrito) não se dá com os outros personagens que não necessitariam de tão rebuscada descrição se suas falas repercutissem suas vidas e isso implica em duas questões para você:
1.Como estas pessoas falam?
2.Como trazer a naturalidade dos diálogos destas pessoas para o conto?
*sugestão de leitura:"O Bolês", de Gorki
"O Diplomata", de Tchêkhov
Um abraço!!

Guarapiran disse...

E ae rapaziada! Vcs me deram a honra se ser lido:

Abilião, boa observação, cofesso q é essa uma das minhas preocupações: a esquematização e controle do fluido textual. Mtas vezes sou dominado em vez de dominar. Pra isso cada vez mais tento ser vigilante qdo descambo em veredas q não vão me levar a lugar algum. Mas uma coisa garanto a vc, esse conto tem uma escalada interessante e vai em busca dessa organicidade, logicamente dentro das minhas limitações...
Valeu!um abraço!

Aoo Carlão! A construção do conto vai dar uma impulsionada pra realização do filme. Acredito nisso. Espero não decepcioná-lo!
Acompanhe a saga...hehehe

Mauricião anônimo, a seu pedido expliquei minha intenção, são edições semanais. Falou mano!

Fala Lesh, tô me segurando pra não postar tudo de uma vez... tem q manter um pouco o suspense, espero q vc acompanhe a saga. valeu!

Ô Renan, qlqer semelhança com os personagens é incidental....hehehe
Devagar outros personagens vão ingressar à história. Estou cuidando mto dessa apresentação e do desenvolvimento de todos eles. Acato sua sugestão dos textos e vou me dar com eles com voracidade. Um abraço!