domingo, junho 29, 2008

TEXTO INÉDITO: A DOAÇÃO


Este texto foi escrito em 2006 para o CPT.


POR ROGÉRIO GUARAPIRAN

A DOAÇÃO ₢

Personagens: Marcelo, Carlina Junta Médica..
Cena: sala de espera de um hospital.
Na sala estão Marcelo e Carlina impacientes.Entra a Junta Médica, uma espécie de pequeno coro, ouve-se um agudo gemido de dor renal que em intervalos se repete.

M – Então doutores, como vai minha mãe?
JM – Seus rins estão próximo da falência, é urgente o transplante para tentar salvá-la.
M – Mas como...? Com toda tecnologia que vocês têm, e a dinheirama que minha mãe tem gasto no tratamento, vocês não...
JM – Tudo que tinha de ser feito foi.
M – Esta aí Carlina, nossos melhores médicos e não conseguem consertar um rim, vamos procurar outros especialistas: medicina oriental, uma cirurgia espiritual, um pajé, aposto que curaria minha mãe, um pajé.
C – Acalme-se querido, é claro que eles fizeram tudo que estava ao alcance.
M – Por que não a levaram para Cuba, aposto que aqueles socialistas dariam jeito, vamos para Cuba querida!
JM – No estado em que está não chega nem na esquina.
M – Incompetentes!
JM - Quer nos acompanhar para sala de cirurgia?
M –(desconfiado) Para quê? (esconde-se atrás da mulher)
JM – Para que se realize o transplante.
M – Vocês querem o meu rim? Levem o dela. (empurra a mulher aos médicos)
JM – Você é o único doador.
M – E vocês, por acaso perguntaram se ela que quer mesmo o meu rim? Minha mãe não gosta de coisa usada... nunca comprou carro de segunda mão... dizia que as coisas que já foram de outras pessoas ficam carregadas de energias que nem sempre são boas e afetam nossa harmonia. E eu estou carregado da cabeça aos pés. (ouve-se um agudo gemido de dor renal) Ah, isso me dá um frio nos rins.
JM – O senhor bem logo se decida porque o tempo urge.
C –(tomando a frente do marido) Mas já está decidido (ele se espanta), ele só está um pouco perturbado com os fatos... ver a mãe a beira da morte, desnorteia qualquer um.

A JM apanha-o e o vai arrastando, ele debate-se.

M – Ei, ei... vamos com calma, esperem... tirem as mãos do meu rim! (eles param) Preciso falar com minha esposa a sós, despedir-me. (a JM espera o consentimento da esposa que acena positivo, eles se retiram)
C – O que deu em você? É a sua mãe...
M – É meu rim!
C – Como você é egoísta.
M – Eu?! De maneira alguma, eu só penso nos riscos.
C – Com você estão os melhores médicos, não há o que temer.
M – Não contesto a perícia deles, devem manejar bem a faca... é que quando se pensa na circunstância de se ficar oco... ah, não é nada agradável.
C – Uma pessoa vive bem com apenas um rim.
M – Você está querendo dizer que Deus esbanjou dando-nos dois rins à toa? Para que um fique de reserva, ocioso...? Por que, então, não nos deu logo dois corações, dois cérebros...?
C – Olha só, passou até a acreditar em Deus como criador...?
M – Com esta ciência incompetente temos que apelar pra Deus. Você viu como aqueles médicos olhavam para o meu rim, com olhar de fome. Bem vejo agora que as coisas não são por acaso. Existe uma ordem no universo, e é o homem quem procura bagunçar as coisas que foram deixadas em ordem. Veja eu, uma máquina perfeita, tudo em função, trabalhando em harmonia. O que acontece se tiram uma engrenagem de um relógio? Por menor que seja, ele para!
C – Você não está pensando bem, misturando coisas que não tem relação.
M – Tudo bem, eu vou continuar a viver sem um rim, com um vazio dentro de mim, mas está tudo bem. Depois vou sair na rua, as pessoas vão apontar: lá vai o homem sem um rim, não duvide que vão rir de mim.
C – Deixe de drama, como que alguém vai notar uma coisa desta?
M – Nesse mundo reparam em tudo. Mas deixe estar... vou pedir para eles preencherem com jornal velho, ninguém vai notar... imagina.
C – Cada coisa horrível que você pensa... bote na cabeça que está salvando uma vida, e que não é uma pessoa qualquer, é uma pessoa que te ama muito.
M – Ah, mas quem garante que isso vai salvar a vida dela?
C – É a única chance.
M – É uma roleta russa e quem pode se dar mal nisso tudo sou eu que vou ficar sem rim. Se não der certo será que eles devolvem?
C – Vai tudo dar certo.
M – E você já ouvir falar de tráfico de órgãos...? Isso é uma rede internacional. Pode ser que um deles faça parte, aí bau-bau...
C – Ora, que absurdo!
M - ... lá se vai meu rim para Índia, para China... um desses países populosos que estão sempre precisando de órgãos... (a mãe geme) Ah mamãe, me desculpe.
C – É certo ficar preocupado, mas você já está passando dos limites. A sua mãe sofrendo, pelo jeito, não é nada para você. Dê a oportunidade para ela ver os netos crescerem. As pessoas vão te acusar sim, te apontar sim, se você negar esse seu rim para mulher que te deu a vida. Os nossos filhos... o exemplo vergonhoso e covarde que você seria pra eles. Não decepcione nossa família.
M – Já que falou nos nossos filhos, eu não queria chegar nesse ponto que eu achava ser só uma intuição, mas estou vendo que é bem aí o problema da minha indecisão.(pausa) Não está vendo a maldição que está para se formar em nossa família?
C – Estou sim, na tua recusa.
M – Pois não! (pausa) Te digo que vou doar meu rim.(pausa) Aí está feito! (pausa) Sou eu quem depois amanhã vou precisar repor a peça perdida e quem vai me socorrer?
C – E quem disse que você vai ter o mesmo problema de sua mãe...?
M – Quem vai me socorrer?
C – Não duvido que um de nossos filhos bem faria de bom grado, mas...
M – Ahá... pois está aí mesmo a continuação da atrocidade a que estaríamos condenados. E as nossas gerações futuras, como se lembrariam de mim? Como o miserável inaugurador dessa maldição. Por favor, meu Deus, não me condene a isso! (a mãe geme)
C – Você realmente se supera, eu não acredito, eu não acredito... olha,(pausa) eu é que não posso conviver com esta vergonha, não... é contra tudo o que eu ensino para os nossos filhos: o amor, a solidariedade... em primeiro lugar... ah, você se decida! Mas saiba que se deixar a sua mãe morrer por omissão de um rim você pode tratar de esquecer de mim e de seus filhos pra sempre.
M – Não acredito que você seria capaz.
C – Nem eu que você seja capaz . (pausa)
M – Está bem, será feito.
C – O quê?
M – O que tem de ser feito.
C – No seu caso, o que tem de ser feito?
M – Ora, salvar uma vida... (a mãe geme) e rápido.
C – Ah, juro que estou muito feliz com a volta de sua sensatez... (abraça-o,beija-o, ele se dirige para a saída) Querido, a sala de cirurgia é do outro lado, estão te esperando.
M – Sim eu sei, mas mereço fumar um cigarro, não é todo dia que se perde um rim.
C – Mas você não fuma.
M – Pois é, tenho tanta coisa pra começar a fazer, vou comprar um cigarro. (sai)

Desfaz-se a cena,a mãe geme.

CÍRCULO DE DRAMATURGIA DO CPT


CÍRCULO DE DRAMATURGIA DO CPT ABRE INSCRIÇÕES PARA DRAMATURGOS.


Informações pelo site: http://www.sescsp.org.br/

CONFIRAM!

CHAPÉU VÉIO E DESCALABRO


Última semana da temporada da peça Descalabro.


Grande atração do dia 29/06 é o retorno definitivo da banda CHAPÉU VÉIO. em apresentação antes da peça, às 19:30 para gravação do dvd e cd da banda. vai ser um show memorável, principalmente pelo registro e pela euforia da banda: rogério guarapiran, renan rovida e mauricio dos santos.


venham conferir!!