sexta-feira, junho 03, 2022

 Apresento 3 fragmentos inéditos da obra em construção, "Bandoleiros de Taubaté". Boa leitura. 




FRAGMENTO I - JOANA, mulher negra, por volta dos 30 anos, numa Fazenda colonial apresentando os aposentos o público como sendo turistas. Ela inicia com muita preocupação em agradar e está vestida bem formal, mas conforme a cena avança, ela vai revelando trajes e comportamentos mais libertários e militantes. Ela tem um papel de roteiro nas mãos para guiar.

JOANA – Olá querides visitantes. Que bom recebe-los na Fazenda Pedra Negra. Vocês adquiriram um ótimo pacote colonial. Vão conhecer as delícias de uma vida senhorial e respirar o ar dos tempos dourados para a elite desse país. Foi aqui que o capital nacional começou a dar seus primeiros passos... (à parte) Quem escreveu esse discurso? Meu Deus!... Vamos adentrar a Casa Grande, nessa ampla varanda podemos contemplar a propriedade, os cafezais se estendendo como tapetes para o infinito. O terreiro exalando o aroma inebriante da secagem do café. Uma bela capelinha aconchegante a demonstrar a piedade dos senhores e a Senzala...(à parte) Não! Eu não vou falar isso...tudo tem um limite! A Senzala é logo ali, depois teremos a oportunidade de conhecê-la por dentro, para quem se sentir à vontade, lógico... sigamos! A Casa Grande era a sede administrativa e abriga a família do Senhor, seus familiares, agregados e hóspedes. A disposição dos ambientes é uma sequência de salas, quartos ou alcovas, ligados por um corredor. A técnica construtiva é a melhor disponível, top importado, alvenaria de pedra na fundação e paredes de taipa de pilão. Olhem para cima e vejam os belos caibros de madeira sustentando telhas de barro cozido. Isso dá um refresco térmico invejável... Chega! (amassa o papel) Vamos continuar de maneira mais pessoal, vocês se importam? Ótimo! Essa era a sala da família do Barão da Pedra Negra, famoso senhor de escravos de Taubaté, cafeicultor respeitado. Ele se sentava nessa velha cadeira de embaúba e a Baronesa, sua senhora, amante de joias e porcelanato português. Ela tinha as mãos mais macias que já senti, também nunca tocou numa ferramenta de trabalho... sentava-se ali, numa cadeira de jacarandá toda. No meio do salão se espalhavam o filho único e a criadagem. O barãozinho, como era chamado, era um menino malicioso por natureza, levantava a saia das criadas e mordia suas bundas. Andava com um chicotinho a imitar o capataz e dava nas outras crianças querendo cavalgar no lombo de todas. O barãozinho era a alma dessa casa, a alegria do pai e da mãe que nunca encostaram a mão no menino, nem pra bem nem pra mal, sorriam entre uma baforada e outra, entre um carteado e outro. Reparem nos móveis, a riqueza de detalhes, belos entalhes no melhor estilo rococó tardio. E essa mesa? Olha que beleza, madeira de lei... guarda nas ranhuras a babinha do barãozinho enquanto as criadas davam-lhe na boquinha quando ainda nem era um taradinho... (pensando alto) Quando foi que ele se tornou aquilo?... Quando os homens se tornam tarados?... Quem ensina a eles? Deixa pra lá! Essa escrivaninha de peroba foi do pai do Barão, homem de letras, escreveu a crônica dos primeiros habitantes de Taubaté e como os indígenas extraiam as primeiras levas de pau brasil e transpunham as muralhas da serra do mar nos idos de 1500. O Barão é descendente direto dos primeiros Bandeirantes, verdadeiros fundadores desta cidade. (faz ânsia de vômito) Desculpe, foi alguma coisa que eu comi... (à parte) “fundadores desta cidade”? Quanta merda introjetam na gente desde pequeno? (saca uma faca) Estão vendo essa lâmina? Aço polido na pedra negra dessa fazenda. Esse cabo é feito de babaçu nativo aqui do quintal. Venham comigo! Qual o problema? Passaremos aos aposentos dos senhores. O quarto do Barão tinha uma salinha secreta onde ele escondia as escravas que ele queria consumir à noite. Ainda estão com receio de mim? No quarto do barão, minha mãe passou muitos dias trancadas com outras mulheres. Ele esperava elas menstruarem e eram abusadas, poque “o Barão gosta de se lambuzar”, como dizem os feitores. Não! A baronesa não dormia no mesmo quarto, mas tinhas muitas coisas secretas também que não vem ao caso agora... (bate a faca pra assustar) Vamos sair daqui! Não estou me sentindo bem! (tempo transtornada) Agora vamos ao quarto do barãozinho... (brincando com a faca) Aquele quarto no fim do corredor... Não se incomodem com as velas acesas diante da porta. É pra consolar o espírito dele. (tempo solene) Mas espírito que não presta não se consola! Você tem que matar todo dia essa praga. Não se preocupem, ele é meu, deixem comigo essa vingança. Eu sei que vocês não estão aqui para ouvir a minha história. O casarão inspira outras vidas, prosperidade,  festas e arte que foram emanados nesses salões. (música) Essa era a banda de escravos que o Senhor fazia tocar pra divertir um simples café da manhã... Éramos um batalhão pra sercir ao insaciável Senhor... Aposto que vocês querem saber se na Senzala é mal assombrada. Não? Eu te digo, na Senzala vocês não vão ouvir correntes se arrastando, porque a gente quebra as correntes todos os dias... Tudo bem, eu sei que o pacote não incluía ser testemunha de um assassinato, mas isso é o que consta nos autos. Os autos que os brancos, feitos à semelhança do Senhor Barão sentenciaram... mas é uma ótima oportunidade para vocês observarem como era feita a Justiça da época. Da época que não acaba nunca! Podem me seguir quem não se incomodar com o grito surdo que o barãozinho vai soltar quando eu cravar a faca no seu peito. E para curiosidade. Ele está dormindo de papo pro ar, todo folgado depois de abusar minha irmã que me escondeu para que não fosse eu pela centésima vez. Mas antes de vocês chegarem eu corri pra pegar esse cutelo de matar porco... esse corredor é a minha liberdade. Algumas dezenas de passos e uma canção na cabeça: Samba lelê tá doente, tá de cabeça quebrada, samba lelê precisava é de umas palmadas. Samba, samba, samba o lelê, samba, samba, samba o lalá... (Ela prepara o golpe e depois de um tempo abaixa o braço. Quase sem força.) Como eu queria ter desfechado esse golpe, mas seria só um valete fora do jogo. Ergui, minha irmã e a levei para o mais longe possível... o barãozinho, depois soube que foi enviado para a Europa ganhar modos... maldito! (tempo, se recompõe) Podemos continuar o passeio? Vocês vão amar o café feito na hora por um barista. Vamos à cozinha? Vamos? Não precisam contar tudo o que falei para a dona da agência. Se puderem me dar cinco estrelinhas na avaliação eu agradeço. Viva o turismo sustentável!  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

FRAGMENTO II – TITO, imigrante italiano, por volta dos 40 anos, dono de uma pequena venda de 1 porta na região de Quiririm. Ele usa um avental todo sujo como quem estivesse num intervalo enquanto assa um alimento. Está pitando seu cigarro encostado na batente do estabelecimento e observando a rua. Conversa com uma pessoa.

TITO – Já, já tem pãozinho fresco, dona! Pão italiano, melhor que essa porcaria de pão francês. Igualdade, liberdade e fraternidade é aqui na mercearia do Tito! Trabalhador alforriado pode colocar na caderneta! Capitão do mato, capataz, feitor e cagueta não paga nada e ainda leva bala! Ei senhora, temos café silvestre! Já ouviu falar? Está em extinção. Se interessou senhora? Vem provar antes que acabe. Esse desmatamento à torto e a direito que os Fazendeiros fizeram com morros do Vale não tá certo não! Tenho umas mudas vieram direto das selvas africanas, Serra Leoa, Madagascar... mas se quiser tenho da safra de 1900 também, a melhor safra de Taubaté. Não sabia? Os Fazendeiros encheram o cú de ganhar dinheiro, é! Ficavam chorando pra não abolir a escravidão e faturaram mais com os braços livres dos seus ex-escravos e dos imigrantes pobres. Eles chamavam de parceria, colaborador, esses papos de empreendedor de sua própria força de trabalho. Legal, né? Eu não me beneficiei no meio dessa italianada que chegou aqui na colônia agrícola do Quiririm, não. Eu sou da segunda geração, só me fudi nessa. Meu pai veio na primeira leva, o governo imperial mandou buscar 100 operários e 2 mestres para construção da estrada de ferro. Não tinha terra garantida de ganhar terra como essa leva agora tem. As políticas mudam. Estou ligado! Meu pai era um desses dois mestres de construção, mas depois que viu a sacanagem que se faziam com o povo dessa terra ele foi fazer a vida sozinho e veio aqui pra essas bandas que era toda de várzea, lugar silencioso, só se ouvia os grilos cri-cri-cri, quiririm... tinha uns colonos e gente alforriada que plantava arroz. Mas acabou o sossego com esse empreendimento da “Sociedade de Imigração de Taubaté”, um conchavo sujo de um fazendeiro que grilou essas terras depois conseguiu concessão pro governo comprar e revender pros imigrantes. Cascata da grossa. Eu e meus vizinhos, gente pobre que plantava pra sobreviver fomos expulsos por causa desses colonos. Meu pai morreu de desgosto, mas eu ainda consegui provar que era filho de italiano e fiquei espremido aqui nessa vendinha. Mas não estou feliz não! A felicidade não pode ser pra um só ou pra alguns que consegue se arranjar. A gente da minha terra passou muito aperto aqui, por conta de ser enganado. Falaram que eles iam plantar café, o “ouro negro”, mas tiveram que fazer tijolo com o barro daqui pra satisfazer a burguesia de Taubaté. Mas por medo eles se fecharam e não sinto que já não é minha gente, estou preocupado com meus vizinhos que se espalharam e estão morrendo de fome em beira de estrada, sendo preso por vadiagem e ainda capturado por capitão do mato... (pega um jornal) enquanto deu no jornal de hoje: “Os barões do café, foram titulares do Império e são titulares do República - contribuíram de forma relevante para o progresso de Taubaté para melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes” (pica o jornal durante a narração) Eu não tenho lembrança da Itália. Mas tenho sonhado com as histórias que meu pai contava da sua Sicília... e do exército esfarrapado, de gente pobre, camponeses, desertores e idealistas que foram esquecidos pela unificação, abrigados numa montanha, numa guerra sem quartel contra o exército da recém-nascida Itália. Nunca soube se essa história me fazia dormir para sonhar com esperança ou eu sonhava acordado pra sonhar tranquilo na justiça que nunca existiu. (tempo) Desculpa a prosa do passado, mas tudo é sobre o passado, não adianta, a gente só faz o novo se souber olhar bem quem já fez e ir melhorando... é melhorar é lorota, as vezes é preciso piorar, agravar o que já fizeram senão a gente fica só melhorando pros ricos essa prisão que eles nos meteram. Todos nós, nessa prisão, branco pobre, negro, índigena... tá certo que as celas não são iguais! Tenho uma cela pra me acomodar e umas coisinhas pra vender, enquanto outros vivem em solitárias ou abarrotados em minúsculas celas. Mas eu me vejo numa imensa prisão que os esses grandes cercaram a gente. Mas eles também podem virar picadinhos. Não estou insinuando nada. Quem sou eu minha cara... mas se quiser vir conversar com a gente, essa noite tem reunião. Percebi que você se interessa nessa parada de justiça, igualdade... mas ela essas coisas não vai cair do céu e nem baixar por decreto. Eles tem tudo e não param de querer mais. Já reparou se tem algum rico que fala, de repente:  “-Ah, cansei de ser rico, já temos dinheiro pra três ou quatro gerações, agora chega!” Essa gente quer explodir de tanto dinheiro, e quando o câmbio flutua e a bolsa cai, eles se sentem as maiores vítimas da face da terra. (imitando) “Precisamos de proteção!”, “Salvem o café brasileiro!” “Mais créditos!” “Somos os maiores empregadores do país!”, e por fim anunciam: “Vem aí o Convênio mais esperado do ano”... adivinhe  aonde eles vão fazer essa joça de convênio? Em Taubaté! Vai vir todo mundo pra cá, os graúdos vão fechar o centro e a ralé vai assistir o desfile de carruagem. Eu e meus amigos vamos estar lá. Pra fazer o que lá? Não sei, vou festejar com eles, levar uns presentinhos pra esses distintos senhores. Estamos construindo uma comitiva de boas-vindas da sociedade civil organizada de Taubaté. Junte-se a nós, não é baderna e nem protesto. Mas vamos por os visitantes para dançar, assim como fazemos em nossas festas. Sim, vai ter música. O mestre de música João Romão de Pindamonhangaba vai se juntar com a gente, estamos formando uma sociedade musical. Pois é, João Romão, depois da abolição e da república, perdeu seu protetor e a banda dos pretos. Tava perdido na bebedeira em Taubaté. Juntou-se a nós. Perfeito! A senhora aprendeu com ele a tocar bombardino? Maravilha, hoje a noite tem ensaio também. É só chegar, vamos te explicar tudo como funciona. É aqui nos fundos da mercearia. A senhora bate três vezes, por precaução... tem mais mulheres, tem mais gente de todo o tipo, de toda a cor, a senhora vai gostar. Obrigado, passar bem!

 


  

FRAGMENTO 3 – JOANA e TITO estão numa ação de bandoleiros, estão à espreita de um comboio de carregamento na beira de uma estrada. Estão armados e atentos.

JOANA – Ei Tito, aquela história de café silvestre, é de verdade ou é só pra atrair freguesia?

TITO – Mais do que isso, é pra atrair companhia. Mas existe sim

JOANA – Mas você nem terra tem pra plantar café silvestre.

TITO – Foi o nosso companheiro Otelo que me contou. Ele é lá do outro lado da África. Sempre disse que nosso café não presta. Sonho com esse café silvestre... 

JOANA – E onde vamos enfiar essa quantidade que vamos confisca hoje?

TITO – Já pegou o espírito da coisa... “confisco” é bom esse nome, jogamos na mesma moeda que eles fazem com a gente... tenho comprador lá de Jacareí pra essa encomenda.

JOANA – Posso dizer uma coisa, que fiquei pensando do seu discurso pra preparar essa ação?

TITO – Pode, mas mantem o ouvido aberto para o assobio do outro grupo que está de campana acima da ponte...

JOANA – Perfeito! Sou capaz de ouvir uma folha caindo na água. É sobre seu conceito de sermos todos iguais, você sabe que não é assim...

TITO – Mas vai chegar o dia em que nossas diferenças vão desaparecer.

JOANA – Esse dia custa chegar, mas não tem como prometer nada. Eu sei que se der errado alguma coisa nessa ação e formos pegos, eu vou ser executada aqui mesmo. Você e alguns dos nossos podem até serem julgados e cumprir pena. Mas nem isso eu tenho direito.

TITO – Por isso que na ação eu estou à frente, pra você e o Otelo ficarem na retaguarda e terem uma chance de se embrenharem...

JOANA – Mas o caso não é de dar pinote com mais chance, é sua ideia de que somos iguais. Quando eu acho que somos essencialmente diferentes, se você tentar pensar por esse lado, podemos até conseguir mais irmão de cor. Porque a sua ideia de igualdade e justiça, ela é branca, ela usa venda nos olhos, tem uma espada e a roupa dela mostra que ela veio fazer justiça pros seus. Tem gene nossa que nem espada conhece, nem roupa que pra ser igual. E na minha história quem faz justiça pode até ter a espada, mas ela tá de olhos bem abertos...

TITO – Estou tentando entender, mas tenho que ter um horizonte pra gente melhorar enquanto caminha. Ficar parado nessa diferença está matando a gente de querer um ser melhor do que o outro.

JOANA – Pelo jeito só tem um diferente aqui querendo matar o outro. É o branco, é os seus iguais.

TITO – Mas eu não sou eles, há muito tempo, Eles tiraram tudo o que meu pai conquistou.

JOANA – Pois é isso, será que você não quer só retomar o lugar que você acha que merecia antes de ser despejado?

TITO – Não! É por todos que eu vi serem pisoteados. Pretos e brancos naquele pântano eram iguais. Meu pai e eu éramos tão pobres quanto o negro Jeremias e acordávamos antes do nascer do sol.

JOANA – Certo, mas nem você e seu pai passaram por uma escravidão igual ele, eu e meus parentes. Para os brancos a vida é um jogo, eles assistem seus peões numa rinha, estão apostando que a gente se mata antes de a gente ter a experiência de ser tratado como um igual. Porque isso não tá nem perto de acontecer. É meu cabelo, é minha cor, é meu nariz, é minhas crenças que o senhor de escravo e seus agregados querem impedir de andar livremente. O senhor de escravo vai transmitir essa sanha por muito tempo. E isso, Tito não faz da gente um igual. Na corrida que eles nos colocaram, você, homem branco, mesmo pobre, os homens mestiços, pardos e até homens negros largam na frente.

TITO – Ninguém vai me por pra correr contra os meus. Você quer que eu pare de falar que somos iguais, é isso?

JOANA – É isso, mas não é.

TITO – Assim fica difícil entender. Mas eu acho que entendi. (tempo) Você acha que ainda estão te procurando?

JOANA – Faz tempo que não encontro nenhum cartaz ou jornal com meu nome, mas tem capitão do mato sempre atento.

TITO – Por isso que a ação de hoje não pode dar errado. Com o dinheiro vamos te enviar pra outra região pra você recomeçar sua vida.

JOANA – Não quero! Vou enfrentar meus feitores e algozes aqui mesmo. É terra dos meus pais, eu enterrei os dois aqui.

TITO – Mas sua tentativa de matar o barãozinnho deu repercussão demais, você tá marcada pra sempre!

JOANA – Está vendo, uma mulher que desafia o poder está marcada pra sempre. Você e suas histórias de bandidos da Sicília tem reabilitação, perdão... alguns são reintegrados na sociedade e eu estou condenada.   

TITO – É só um jeito de falar, esses barões tem muito poder

JOANA – “Só um jeito de falar”... “você não vai conseguir”, “você é mulher, ”... é sempre assim, essa desconfiança. Eu botei fé que você queria uma companhia pra luta, mas tá se fazendo de paizinho protetor, “vamos mandar ela pra uma região segura”, me poupe Tito...se é assim eu tô fora!

TITO –(falando abafado) Joana! Por favor, volta aqui! Joana! Deixa disso...

JOANA – Você tá brincando de ser bandido cara, enfiado no meio desse mato achando que vai assaltar o rei? É só meia dúzia de saca de café. Você vai roubar um tratante pobre igual a gente. Deixa disso você! Silêncio! Está ouvindo? Eles estão se aproximando... se agacha aí.

TITO – Eu não to ouvindo nada...

Um som de marchinha de São Luiz do Paraitinga surge e atinge um pico de altura e depois passa.

JOANA – Que som é esse? Da onde vem isso? Quem é Barbosa? Quem é Barbosa, caralho?! Eu vou atirar! Eu vou atirar nesse Barbosa!  

TITO – Eu sei lá que é Barbosa. Não atira não! Pode ser uma armadilha. Deixa o som passar... aí, está diminuindo...

JOANA – Porra, que susto deu até vontade de dançar. Porque o maestro João Romão não ensina nossa banda de bandidos tocar um ritmo desse?

TITO – Ah, o João Romão é boa gente, mas é um pela saco de música sacra e polca de salão. Fez muita sinhá rebolar em Pindamonhangaba.

JOANA – Acho que a gente tá vendo coisa... ouvindo coisa... de tanto tempo embrenhado aqui. Vamos abortar, tá furado essa ação...  

TITO – Silêncio! Eu estou ouvindo um tropel, deve ser o comboio se aproximando. Agacha aí!

Som de homens marchando e cantando canção de TFM do Exército surge baixo e passa igual o anterior.  

JOANA – Que horror! De onde está vindo esse som?

TITO – Deve ser a escolta do comboio. Eu vou atirar nesses desgraçados!

JOANA – Não faça isso. Eles querem nosso ódio pra juntar com o deles. Já está passando... calma!

TITO – Malditos! Como eles podem cantar essas maldades sem pagar na terra por isso? (tempo) Acho que estou ficando com sono e esse comboio não vem.

JOANA – Vamos sair daqui, vamos descansar. Não é fácil ser bandoleiro em Taubaté.

TITO – Ah se fosse na Sicília. Estaríamos em todos os jornais!

JOANA – Aqui, nessa terra só barão tem vez. Esteje pronto pra ser ninguém!

TITO - Mas podemos ser ninguém como ninguém.

JOANA – Ninguém como eu, ninguém como você... isso dá samba, hein.

TITO – O que é samba?

JOANA – Ah, para! Você precisa dormir, cara...

Eles saem de cena assobiando a marchinha do Barbosa.