segunda-feira, maio 01, 2006

Assassinato do Bibliotecário de Joelma - Cont.


Ola, mais uma postagem. Essa foi uma semana triste, porém engraçada.


IV

Jair acordou de sobressalto como se num instante último de seu sonho galopante lembrassem-lhe o dever de todas as manhãs: comprar pão para avó. Correu a verificar se sua avó dormia ainda no quarto ao lado e também a ver se seu irmão deixara o dinheiro em cima da mesinha da cozinha antes de sair ao trabalho. O dinheiro não estava lá... ele deu rodopios, soltou exclamações guturais, coçou o umbigo, bateu de leve a canela na cadeira... enfim, entrou em pane, nada que seja anormal para um anormal, comportamento de deficiente mental que era. Em distúrbio rodopiante deu de fuça com a porta da frente, queria atravessá-la, manejou tremilicadamente a maçaneta enferrujada e saiu às tontas para rua. Em frente da humilde casa, Gérson, seu irmão (aquele mesmo da roda fora do eixo), consertava sua bicicleta aos pontapés tentando por no centro sua roda empenada. Viu Jair desembestar no meio-fio. Assustou-se um pouco com a sempre imprevisão das atitudes do irmão, mas fez-se firme para num assobio agudo trazer-lhe de volta. – Tava indo pra onde, Jair? Tu deixa de loucura! O irmão intimou. – O dinheiro...do pão, replicou esbaforido. – Tá vendo que é cedo? Caiu da cama?... Gérson irritadiço desfere um croque na cabeça ovalina de Jair: - Ai, ai, gemeu o danado, a vó... comprá pão pra vó! Insistia na idéia e o irmão ralhava-lhe. Grudou-lhe enfim pelo colarinho esgarçado, arrastou-o e entraram os dois. No pequeno aposento da sala, tratou de fazer sentar Jair à força, este se contorcia e balbuciava monossílabos que se queriam palavras em seu débil cérebro que estava sendo oprimido: “pão” e “vó”. Outro croque, este agora mais contundente, forte, descontrolado, bufante, fustigou o rapaz como pedra escarpada fervente de granito que o atingisse bem sua testa numa velocidade aproximada de 27,77m/s vinda ela numa trajetória diagonal de cima pra baixo e causasse logo um rubro galo e gotejassem-lhe lágrimas duma dor aguda. As mãos vão logo à fronte e a cabeça logo ao vão dos joelhos. Gérson com a mão ainda atarracada ataranta-se em ver o que causou. – Veja o que você me fez fazer, sua culpa, sua culpa... e abana a cabeça como quisesse desanuviar sua tela mental que só exibia cenas terríveis de como trucidar um irmão mongolóide. Quis abraçá-lo, beijar sua testa, insistia com ele que não o queria mal, parou consternado frente ao moleque chorão: – Olha Jair, eu... eu... e antes que desse prosseguimento em sua oração arrependida, da fresta lateral da janela, uma leve brisa toca-lhe o ouvido esquerdo assoprando-lhe: - Caia de joelhos, filho, tu és mau e assim não te salvas; um arrepio correu seu corpo como fluido de estanho derretido a queimar suas intempestivas entranhas. Correu a fechar a janela, observou de relance que o tempo tornara-se feio lá fora, cinzento como não contava ser aquele dia. Teve tempo de dizer para si, ao lance que voltava para o irmão, que virá dia em que a voz soprante o deixará em paz. – Olha pra mim Jair! Vagarosamente soergueu a cabeça. – Você vai comigo à padaria, não tenho dinheiro, vou pedir fiado, aí você volta com o pão e prepara o café pra vó, sem ataques, a vó tá doente e por isso mesmo você tem que se comportar direitinho. Ele concordou com a cabeça e emendou: - a vó vai morrê amanhã... o irmão preparou instintivamente outro golpe, mas conteve e o indagou quem lho botou isto na cuca. – Eu sei, a vó vai morrê amanhã... – Ora, você quer que ela morra, seu condenado? – Compra flor pra vó! – Ai Jair, você só me dá dor de cabeça. Vem comigo! E puxou-o agora pela manga direita esburacada; saíram.

2 comentários:

Anônimo disse...

esse conto está cada vez mais misterioso... Só o almoxerife pra resolver um caso desses...

Anônimo disse...

Muito bom, Corla. Esse eu achei melhor. Mais estável. Tá melhor a estrutura. Não é que você não possa inovar, ao contrário, deve. Mas é preciso fazê-lo com sobriedade e parece que você tá acertando o tom.
Abraço.