domingo, maio 07, 2006

"O Assassinato do Bibliotecário de Joelma"- Cont.

V

Da cortina entreaberta pôde-se ver achegando-se o jardineiro Miroel. A casa que agora bisbilhoto é a daquele que já sabemos morto da história, Ademir, o bibliotecário municipal. Morava bem, num bairro abastado, embora não tivesse automóvel, mantinha alguns outros luxos para sentir-se bem e auto-estimado. Uma de suas paixões era seu jardim frontal em qual cultivava espécimes botânicas muito curiosas e exóticas, dentre as de mor estima tinha em conta uma caninha do brejo plantada por sua falecida mãezinha e uma... um outro diabo de planta que não me lembro o nome (Ademir mesmo o dirá, sosseguem). O bibliotecário que acordara a pouco vagava pela casa de chinelas e vestia um pijaminha argênteo um tanto alambicado, avistou também a chegada de seu jardineiro, e sem se mostrar acionou o portão de casa com o controle remoto e pode entrar a fazer seus serviços, Miroel. Nossa vítima da primeira cena era um quarentão vaidosão, solteirão e solitárião, cuidara da mãe até esta apodrecer decrépita em seu aposento hoje cerrado e lacrado que exala, se meteres o nariz na fresta e aspirar violentamente, odor de crisântemo mais que murcho, ressequido e velho, poerento; não deixou que pessoa alguma a visse em doença degenerativa do sistema nervoso, nem aos médicos permitia. Causou escândalo silencioso na sociedade circundante, caso que o tomaram por monstro os que conheciam o caso. Não se importava e até sentia certo prazer e orgulho aos olhares receosos que o miravam ao sair e entrar de sua casa. Diz uma lenda, que não pegou nem se difundiu, porque só duas pessoas a comentam em âmbito familiar e em contextos restritos que o esqueleto da velha adormece ainda no quarto funéreo e sai de quando em quando do seu aposento, principalmente aos dias que o filho prepara sua bebida predileta, o chá da caninha do brejo. Lendas são lendas (não precisava dizer isso, mas é isso). Depois de passar um cafezinho deveras aromático, aprumou-se para o trabalho em boa camisa de tom pastel e calça de brim como as que não se usam mais. Ademir era utópico... (também isso não precisava dizer, mas está dito) Pousou os beiços feito borboleta na xícara de café e sorveu o líquido como sugasse néctar duma flor graciosa. Ao sair de casa pegou seu molho de chave, crachá e carteira. Dava-se já para rua quando lembrou de levar uma fruta, como costumaz fazia, para degluti-la no meio da manhã, quando lhe dava uma fome angustiante. Correu a passos tão leves à cozinha que parecia flutuar, os bracinhos finos sacolejavam, era como o beija-flor no seu vôo lépido, pousou à frente de sua fruteira e vacilou em escolher qual fruta levaria, acariciou uma banana, uma pêra, uma maçã, voltou à banana, foi para o kiwi, achou-o peludo demais, rejeitou-o; a pêra parecia-lhe passada, descartou-a; teria de escolher entre as que restou. Seria sua primeira escolha a banana como todos os dias, pois que precisava ingerir carboidratos que ela lhe fornecia para não padecer de câimbras, seu único mal de saúde, de resto tinha para dar e vender. Mas não esqueçamos, o dia era estranhíssimo, nosso bibliotecário quis dar-se ao revés da rotina, doidamente mudou da sempre banana que a metia no bolso pra uma bela maçã escolher. Na saída pegou-se ainda da casaca, não estava tão frio, mas nunca descuidou do peito e um livro que se encontrava no sofá. Fora estava Miroel de quatro arrancando alguns matinhos impertinentes que ousavam crescer naquele belo jardim e assobiava uma melodia inidentificável de quatro notas. Como pegasse de sua monareta 73 elengantérrima e estivesse pronto para sair, chamou: - Miroel, tudo certinho aí? – Opa, tudo em riba, seu Ademir. – Ah Miroel, faz tempo que eu tô pra te dar uma coisa... o jardineiro olha-o conturbado, logo alivia-se ao vê-lo estender um livro. – Tudo sobre plantas, jardinagem e um pouquinho mais. Ele levanta e recebe o agrado com muita cortesia: - Ô, obrigado, vai ser de grande valia... [que merda é essa? O viadão tá pensando que nasci ontem... refletiu Miroel enquanto examinava superficialmente o presente] – Que bom que você gostou, e deu um sorrisinho superior. - Ah, antes de eu ir, só mais uma recomendação: da outra vez você cortou minha xefléra (“xefléra” isso que eu tentara lembrar ainda há pouco, aí está, como disse), sei que não fez por mal, mas não a corte mais, eu adoro xefléra e morro por ela. Prontamente o jardineiro acenou-lhe entendido e deu como soubesse de qual planta ele tratava. – Sabe de que planta estou falando, logicamente... qualquer coisa consulte o livro, adeus! Partiu garboso na sua monareta. O jardineiro folheia o livro [essa porra pro diabo!] e não vendo utilidade joga-o ali mesmo. Arma-se de seu tesourão e mãos à obra!... opa, detém-se um instante... [qual será a tal de “xefléra” que não quer que corte?] intuitivamente tenta descobrir passando o olho pelas plantas, olha o livro jogado aos seus pés... [aí pode estar a resposta.... foda-se!] Mete o tesourão em tudo, raivoso.

2 comentários:

Guilherme C. Grünewald disse...

ooo... grande participação do famoso Véio Bixa... HUAHUHUA gostei bastante...

Anônimo disse...

esse capítulo está muito bom mesmo.
da mesma maneira que o narrador tinha dificuldade em lembrar o nome da maldita flor, eu mesmo mal conseguia me lembrar da tal xefléra...
morri de rir