Apresento 3 fragmentos inéditos da obra em construção, "Bandoleiros de Taubaté". Boa leitura.
FRAGMENTO I - JOANA, mulher
negra, por volta dos 30 anos, numa Fazenda colonial apresentando os aposentos o
público como sendo turistas. Ela inicia com muita preocupação em agradar e está
vestida bem formal, mas conforme a cena avança, ela vai revelando trajes e
comportamentos mais libertários e militantes. Ela tem um papel de roteiro nas
mãos para guiar.
JOANA
– Olá querides visitantes. Que bom recebe-los na Fazenda Pedra Negra. Vocês
adquiriram um ótimo pacote colonial. Vão conhecer as delícias de uma vida
senhorial e respirar o ar dos tempos dourados para a elite desse país. Foi aqui
que o capital nacional começou a dar seus primeiros passos... (à parte)
Quem escreveu esse discurso? Meu Deus!... Vamos adentrar a Casa Grande, nessa
ampla varanda podemos contemplar a propriedade, os cafezais se estendendo como
tapetes para o infinito. O terreiro exalando o aroma inebriante da secagem do
café. Uma bela capelinha aconchegante a demonstrar a piedade dos senhores e a
Senzala...(à parte) Não! Eu não vou falar isso...tudo tem um limite! A Senzala
é logo ali, depois teremos a oportunidade de conhecê-la por dentro, para quem
se sentir à vontade, lógico... sigamos! A Casa Grande era a sede administrativa
e abriga a família do Senhor, seus familiares, agregados e hóspedes. A
disposição dos ambientes é uma sequência de salas, quartos ou alcovas, ligados
por um corredor. A técnica construtiva é a melhor disponível, top importado,
alvenaria de pedra na fundação e paredes de taipa de pilão. Olhem para cima e
vejam os belos caibros de madeira sustentando telhas de barro cozido. Isso dá
um refresco térmico invejável... Chega! (amassa o papel) Vamos continuar
de maneira mais pessoal, vocês se importam? Ótimo! Essa era a sala da família
do Barão da Pedra Negra, famoso senhor de escravos de Taubaté, cafeicultor
respeitado. Ele se sentava nessa velha cadeira de embaúba e a Baronesa, sua
senhora, amante de joias e porcelanato português. Ela tinha as mãos mais macias
que já senti, também nunca tocou numa ferramenta de trabalho... sentava-se ali,
numa cadeira de jacarandá toda. No meio do salão se espalhavam o filho único e
a criadagem. O barãozinho, como era chamado, era um menino malicioso por
natureza, levantava a saia das criadas e mordia suas bundas. Andava com um
chicotinho a imitar o capataz e dava nas outras crianças querendo cavalgar no
lombo de todas. O barãozinho era a alma dessa casa, a alegria do pai e da mãe
que nunca encostaram a mão no menino, nem pra bem nem pra mal, sorriam entre
uma baforada e outra, entre um carteado e outro. Reparem nos móveis, a riqueza
de detalhes, belos entalhes no melhor estilo rococó tardio. E essa mesa? Olha
que beleza, madeira de lei... guarda nas ranhuras a babinha do barãozinho
enquanto as criadas davam-lhe na boquinha quando ainda nem era um taradinho...
(pensando alto) Quando foi que ele se tornou aquilo?... Quando os homens
se tornam tarados?... Quem ensina a eles? Deixa pra lá! Essa escrivaninha de
peroba foi do pai do Barão, homem de letras, escreveu a crônica dos primeiros
habitantes de Taubaté e como os indígenas extraiam as primeiras levas de pau brasil
e transpunham as muralhas da serra do mar nos idos de 1500. O Barão é
descendente direto dos primeiros Bandeirantes, verdadeiros fundadores desta
cidade. (faz ânsia de vômito) Desculpe, foi alguma coisa que eu comi...
(à parte) “fundadores desta cidade”? Quanta merda introjetam na gente
desde pequeno? (saca uma faca) Estão vendo essa lâmina? Aço polido na
pedra negra dessa fazenda. Esse cabo é feito de babaçu nativo aqui do quintal.
Venham comigo! Qual o problema? Passaremos aos aposentos dos senhores. O quarto
do Barão tinha uma salinha secreta onde ele escondia as escravas que ele queria
consumir à noite. Ainda estão com receio de mim? No quarto do barão, minha mãe
passou muitos dias trancadas com outras mulheres. Ele esperava elas menstruarem
e eram abusadas, poque “o Barão gosta de se lambuzar”, como dizem os feitores. Não!
A baronesa não dormia no mesmo quarto, mas tinhas muitas coisas secretas também
que não vem ao caso agora... (bate a faca pra assustar) Vamos sair daqui!
Não estou me sentindo bem! (tempo transtornada) Agora vamos ao quarto do
barãozinho... (brincando com a faca) Aquele quarto no fim do corredor...
Não se incomodem com as velas acesas diante da porta. É pra consolar o espírito
dele. (tempo solene) Mas espírito que não presta não se consola! Você
tem que matar todo dia essa praga. Não se preocupem, ele é meu, deixem comigo
essa vingança. Eu sei que vocês não estão aqui para ouvir a minha história. O
casarão inspira outras vidas, prosperidade, festas e arte que foram emanados nesses salões.
(música) Essa era a banda de escravos que o Senhor fazia tocar pra
divertir um simples café da manhã... Éramos um batalhão pra sercir ao
insaciável Senhor... Aposto que vocês querem saber se na Senzala é mal
assombrada. Não? Eu te digo, na Senzala vocês não vão ouvir correntes se
arrastando, porque a gente quebra as correntes todos os dias... Tudo bem, eu
sei que o pacote não incluía ser testemunha de um assassinato, mas isso é o que
consta nos autos. Os autos que os brancos, feitos à semelhança do Senhor Barão sentenciaram...
mas é uma ótima oportunidade para vocês observarem como era feita a Justiça da
época. Da época que não acaba nunca! Podem me seguir quem não se incomodar com
o grito surdo que o barãozinho vai soltar quando eu cravar a faca no seu peito.
E para curiosidade. Ele está dormindo de papo pro ar, todo folgado depois de
abusar minha irmã que me escondeu para que não fosse eu pela centésima vez. Mas
antes de vocês chegarem eu corri pra pegar esse cutelo de matar porco... esse
corredor é a minha liberdade. Algumas dezenas de passos e uma canção na cabeça:
Samba lelê tá doente, tá de cabeça quebrada, samba lelê precisava é de umas
palmadas. Samba, samba, samba o lelê, samba, samba, samba o lalá... (Ela prepara
o golpe e depois de um tempo abaixa o braço. Quase sem força.) Como eu
queria ter desfechado esse golpe, mas seria só um valete fora do jogo. Ergui,
minha irmã e a levei para o mais longe possível... o barãozinho, depois soube
que foi enviado para a Europa ganhar modos... maldito! (tempo, se recompõe)
Podemos continuar o passeio? Vocês vão amar o café feito na hora por um
barista. Vamos à cozinha? Vamos? Não precisam contar tudo o que falei para a
dona da agência. Se puderem me dar cinco estrelinhas na avaliação eu agradeço.
Viva o turismo sustentável!

FRAGMENTO
II – TITO, imigrante italiano, por volta dos 40 anos, dono de uma pequena
venda de 1 porta na região de Quiririm. Ele usa um avental todo sujo como quem
estivesse num intervalo enquanto assa um alimento. Está pitando seu cigarro
encostado na batente do estabelecimento e observando a rua. Conversa com uma
pessoa.
TITO –
Já, já tem pãozinho fresco, dona! Pão italiano, melhor que essa porcaria de pão
francês. Igualdade, liberdade e fraternidade é aqui na mercearia do Tito! Trabalhador
alforriado pode colocar na caderneta! Capitão do mato, capataz, feitor e
cagueta não paga nada e ainda leva bala! Ei senhora, temos café silvestre! Já
ouviu falar? Está em extinção. Se interessou senhora? Vem provar antes que
acabe. Esse desmatamento à torto e a direito que os Fazendeiros fizeram com
morros do Vale não tá certo não! Tenho umas mudas vieram direto das selvas
africanas, Serra Leoa, Madagascar... mas se quiser tenho da safra de 1900
também, a melhor safra de Taubaté. Não sabia? Os Fazendeiros encheram o cú de
ganhar dinheiro, é! Ficavam chorando pra não abolir a escravidão e faturaram
mais com os braços livres dos seus ex-escravos e dos imigrantes pobres. Eles
chamavam de parceria, colaborador, esses papos de empreendedor de sua própria
força de trabalho. Legal, né? Eu não me beneficiei no meio dessa italianada que
chegou aqui na colônia agrícola do Quiririm, não. Eu sou da segunda geração, só
me fudi nessa. Meu pai veio na primeira leva, o governo imperial mandou buscar
100 operários e 2 mestres para construção da estrada de ferro. Não tinha terra
garantida de ganhar terra como essa leva agora tem. As políticas mudam. Estou
ligado! Meu pai era um desses dois mestres de construção, mas depois que viu a
sacanagem que se faziam com o povo dessa terra ele foi fazer a vida sozinho e
veio aqui pra essas bandas que era toda de várzea, lugar silencioso, só se
ouvia os grilos cri-cri-cri, quiririm... tinha uns colonos e gente alforriada
que plantava arroz. Mas acabou o sossego com esse empreendimento da “Sociedade
de Imigração de Taubaté”, um conchavo sujo de um fazendeiro que grilou essas
terras depois conseguiu concessão pro governo comprar e revender pros imigrantes.
Cascata da grossa. Eu e meus vizinhos, gente pobre que plantava pra sobreviver
fomos expulsos por causa desses colonos. Meu pai morreu de desgosto, mas eu
ainda consegui provar que era filho de italiano e fiquei espremido aqui nessa
vendinha. Mas não estou feliz não! A felicidade não pode ser pra um só ou pra
alguns que consegue se arranjar. A gente da minha terra passou muito aperto
aqui, por conta de ser enganado. Falaram que eles iam plantar café, o “ouro
negro”, mas tiveram que fazer tijolo com o barro daqui pra satisfazer a
burguesia de Taubaté. Mas por medo eles se fecharam e não sinto que já não é
minha gente, estou preocupado com meus vizinhos que se espalharam e estão
morrendo de fome em beira de estrada, sendo preso por vadiagem e ainda
capturado por capitão do mato... (pega um jornal) enquanto deu no jornal
de hoje: “Os barões do café, foram titulares do Império e são titulares do
República - contribuíram de forma relevante para o progresso de Taubaté para melhorar
a qualidade de vida dos seus habitantes” (pica o jornal durante a narração)
Eu não tenho lembrança da Itália. Mas tenho sonhado com as histórias que meu
pai contava da sua Sicília... e do exército esfarrapado, de gente pobre,
camponeses, desertores e idealistas que foram esquecidos pela unificação,
abrigados numa montanha, numa guerra sem quartel contra o exército da
recém-nascida Itália. Nunca soube se essa história me fazia dormir para sonhar
com esperança ou eu sonhava acordado pra sonhar tranquilo na justiça que nunca
existiu. (tempo) Desculpa a prosa do passado, mas tudo é sobre o
passado, não adianta, a gente só faz o novo se souber olhar bem quem já fez e
ir melhorando... é melhorar é lorota, as vezes é preciso piorar, agravar o que
já fizeram senão a gente fica só melhorando pros ricos essa prisão que eles nos
meteram. Todos nós, nessa prisão, branco pobre, negro, índigena... tá certo que
as celas não são iguais! Tenho uma cela pra me acomodar e umas coisinhas pra
vender, enquanto outros vivem em solitárias ou abarrotados em minúsculas celas.
Mas eu me vejo numa imensa prisão que os esses grandes cercaram a gente. Mas
eles também podem virar picadinhos. Não estou insinuando nada. Quem sou eu minha
cara... mas se quiser vir conversar com a gente, essa noite tem reunião.
Percebi que você se interessa nessa parada de justiça, igualdade... mas ela
essas coisas não vai cair do céu e nem baixar por decreto. Eles tem tudo e não
param de querer mais. Já reparou se tem algum rico que fala, de repente: “-Ah, cansei de ser rico, já temos dinheiro
pra três ou quatro gerações, agora chega!” Essa gente quer explodir de tanto
dinheiro, e quando o câmbio flutua e a bolsa cai, eles se sentem as maiores
vítimas da face da terra. (imitando) “Precisamos de proteção!”, “Salvem
o café brasileiro!” “Mais créditos!” “Somos os maiores empregadores do país!”,
e por fim anunciam: “Vem aí o Convênio mais esperado do ano”... adivinhe aonde eles vão fazer essa joça de convênio?
Em Taubaté! Vai vir todo mundo pra cá, os graúdos vão fechar o centro e a ralé
vai assistir o desfile de carruagem. Eu e meus amigos vamos estar lá. Pra fazer
o que lá? Não sei, vou festejar com eles, levar uns presentinhos pra esses
distintos senhores. Estamos construindo uma comitiva de boas-vindas da
sociedade civil organizada de Taubaté. Junte-se a nós, não é baderna e nem
protesto. Mas vamos por os visitantes para dançar, assim como fazemos em nossas
festas. Sim, vai ter música. O mestre de música João Romão de Pindamonhangaba
vai se juntar com a gente, estamos formando uma sociedade musical. Pois é, João
Romão, depois da abolição e da república, perdeu seu protetor e a banda dos
pretos. Tava perdido na bebedeira em Taubaté. Juntou-se a nós. Perfeito! A
senhora aprendeu com ele a tocar bombardino? Maravilha, hoje a noite tem ensaio
também. É só chegar, vamos te explicar tudo como funciona. É aqui nos fundos da
mercearia. A senhora bate três vezes, por precaução... tem mais mulheres, tem
mais gente de todo o tipo, de toda a cor, a senhora vai gostar. Obrigado,
passar bem!

FRAGMENTO
3 – JOANA e TITO estão numa ação de bandoleiros, estão à espreita de um
comboio de carregamento na beira de uma estrada. Estão armados e atentos.
JOANA
– Ei Tito, aquela história de café silvestre, é de verdade ou é só pra atrair
freguesia?
TITO –
Mais do que isso, é pra atrair companhia. Mas existe sim
JOANA
– Mas você nem terra tem pra plantar café silvestre.
TITO –
Foi o nosso companheiro Otelo que me contou. Ele é lá do outro lado da África.
Sempre disse que nosso café não presta. Sonho com esse café silvestre...
JOANA
– E onde vamos enfiar essa quantidade que vamos confisca hoje?
TITO –
Já pegou o espírito da coisa... “confisco” é bom esse nome, jogamos na mesma
moeda que eles fazem com a gente... tenho comprador lá de Jacareí pra essa
encomenda.
JOANA
– Posso dizer uma coisa, que fiquei pensando do seu discurso pra preparar essa
ação?
TITO –
Pode, mas mantem o ouvido aberto para o assobio do outro grupo que está de
campana acima da ponte...
JOANA
– Perfeito! Sou capaz de ouvir uma folha caindo na água. É sobre seu conceito
de sermos todos iguais, você sabe que não é assim...
TITO –
Mas vai chegar o dia em que nossas diferenças vão desaparecer.
JOANA
– Esse dia custa chegar, mas não tem como prometer nada. Eu sei que se der
errado alguma coisa nessa ação e formos pegos, eu vou ser executada aqui mesmo.
Você e alguns dos nossos podem até serem julgados e cumprir pena. Mas nem isso
eu tenho direito.
TITO –
Por isso que na ação eu estou à frente, pra você e o Otelo ficarem na
retaguarda e terem uma chance de se embrenharem...
JOANA
– Mas o caso não é de dar pinote com mais chance, é sua ideia de que somos
iguais. Quando eu acho que somos essencialmente diferentes, se você tentar
pensar por esse lado, podemos até conseguir mais irmão de cor. Porque a sua
ideia de igualdade e justiça, ela é branca, ela usa venda nos olhos, tem uma
espada e a roupa dela mostra que ela veio fazer justiça pros seus. Tem gene nossa
que nem espada conhece, nem roupa que pra ser igual. E na minha história quem
faz justiça pode até ter a espada, mas ela tá de olhos bem abertos...
TITO –
Estou tentando entender, mas tenho que ter um horizonte pra gente melhorar
enquanto caminha. Ficar parado nessa diferença está matando a gente de querer
um ser melhor do que o outro.
JOANA
– Pelo jeito só tem um diferente aqui querendo matar o outro. É o branco, é os
seus iguais.
TITO –
Mas eu não sou eles, há muito tempo, Eles tiraram tudo o que meu pai
conquistou.
JOANA
– Pois é isso, será que você não quer só retomar o lugar que você acha que
merecia antes de ser despejado?
TITO –
Não! É por todos que eu vi serem pisoteados. Pretos e brancos naquele pântano
eram iguais. Meu pai e eu éramos tão pobres quanto o negro Jeremias e
acordávamos antes do nascer do sol.
JOANA
– Certo, mas nem você e seu pai passaram por uma escravidão igual ele, eu e
meus parentes. Para os brancos a vida é um jogo, eles assistem seus peões numa
rinha, estão apostando que a gente se mata antes de a gente ter a experiência
de ser tratado como um igual. Porque isso não tá nem perto de acontecer. É meu
cabelo, é minha cor, é meu nariz, é minhas crenças que o senhor de escravo e
seus agregados querem impedir de andar livremente. O senhor de escravo vai
transmitir essa sanha por muito tempo. E isso, Tito não faz da gente um igual.
Na corrida que eles nos colocaram, você, homem branco, mesmo pobre, os homens
mestiços, pardos e até homens negros largam na frente.
TITO –
Ninguém vai me por pra correr contra os meus. Você quer que eu pare de falar
que somos iguais, é isso?
JOANA
– É isso, mas não é.
TITO –
Assim fica difícil entender. Mas eu acho que entendi. (tempo) Você acha que
ainda estão te procurando?
JOANA
– Faz tempo que não encontro nenhum cartaz ou jornal com meu nome, mas tem capitão
do mato sempre atento.
TITO –
Por isso que a ação de hoje não pode dar errado. Com o dinheiro vamos te enviar
pra outra região pra você recomeçar sua vida.
JOANA
– Não quero! Vou enfrentar meus feitores e algozes aqui mesmo. É terra dos meus
pais, eu enterrei os dois aqui.
TITO –
Mas sua tentativa de matar o barãozinnho deu repercussão demais, você tá
marcada pra sempre!
JOANA
– Está vendo, uma mulher que desafia o poder está marcada pra sempre. Você e
suas histórias de bandidos da Sicília tem reabilitação, perdão... alguns são
reintegrados na sociedade e eu estou condenada.
TITO –
É só um jeito de falar, esses barões tem muito poder
JOANA
– “Só um jeito de falar”... “você não vai conseguir”, “você é mulher, ”... é
sempre assim, essa desconfiança. Eu botei fé que você queria uma companhia pra
luta, mas tá se fazendo de paizinho protetor, “vamos mandar ela pra uma região
segura”, me poupe Tito...se é assim eu tô fora!
TITO –(falando
abafado) Joana! Por favor, volta aqui! Joana! Deixa disso...
JOANA
– Você tá brincando de ser bandido cara, enfiado no meio desse mato achando que
vai assaltar o rei? É só meia dúzia de saca de café. Você vai roubar um
tratante pobre igual a gente. Deixa disso você! Silêncio! Está ouvindo? Eles
estão se aproximando... se agacha aí.
TITO –
Eu não to ouvindo nada...
Um som
de marchinha de São Luiz do Paraitinga surge e atinge um pico de altura e
depois passa.
JOANA
– Que som é esse? Da onde vem isso? Quem é Barbosa? Quem é Barbosa, caralho?!
Eu vou atirar! Eu vou atirar nesse Barbosa!
TITO –
Eu sei lá que é Barbosa. Não atira não! Pode ser uma armadilha. Deixa o som
passar... aí, está diminuindo...
JOANA
– Porra, que susto deu até vontade de dançar. Porque o maestro João Romão não
ensina nossa banda de bandidos tocar um ritmo desse?
TITO –
Ah, o João Romão é boa gente, mas é um pela saco de música sacra e polca de
salão. Fez muita sinhá rebolar em Pindamonhangaba.
JOANA
– Acho que a gente tá vendo coisa... ouvindo coisa... de tanto tempo embrenhado
aqui. Vamos abortar, tá furado essa ação...
TITO –
Silêncio! Eu estou ouvindo um tropel, deve ser o comboio se aproximando. Agacha
aí!
Som de
homens marchando e cantando canção de TFM do Exército surge baixo e passa igual
o anterior.
JOANA
– Que horror! De onde está vindo esse som?
TITO –
Deve ser a escolta do comboio. Eu vou atirar nesses desgraçados!
JOANA
– Não faça isso. Eles querem nosso ódio pra juntar com o deles. Já está
passando... calma!
TITO –
Malditos! Como eles podem cantar essas maldades sem pagar na terra por isso? (tempo)
Acho que estou ficando com sono e esse comboio não vem.
JOANA
– Vamos sair daqui, vamos descansar. Não é fácil ser bandoleiro em Taubaté.
TITO –
Ah se fosse na Sicília. Estaríamos em todos os jornais!
JOANA
– Aqui, nessa terra só barão tem vez. Esteje pronto pra ser ninguém!
TITO -
Mas podemos ser ninguém como ninguém.
JOANA –
Ninguém como eu, ninguém como você... isso dá samba, hein.
TITO –
O que é samba?
JOANA
– Ah, para! Você precisa dormir, cara...
Eles
saem de cena assobiando a marchinha do Barbosa.